terça-feira, 16 de outubro de 2007

Menezes e Sá, 2004

Referência bibliográfica:

MENEZES, I. e SÁ, C. M. (2004). Representações de alunos e professores sobre a interacção leitura-escrita. Intercompreensão, 11, pp. 61-70

Texto publicado :

Résumé
Ce texte concerne une étude dont le but était d’analyser les conceptions d’élèves de CM2 et de professeurs de Langue Maternelle sur: (i) la compréhension de textes écrits; (ii) la production de textes écrits; (iii) l’interaction lecture/écriture; (iv) des stratégies capables de promouvoir cette interaction en classe de Langue Maternelle.
On a choisi des élèves de CM2, car cette année correspond à un moment de transition entre deux cycles. Il s’agit d’une étape où souvent les jeunes commencent à perdre le goût pour la lecture et l’écriture.
Il nous semble important de tenir compte des conceptions des enseignants, vu qu’elles influencent largement leur travail en classe, avec leurs élèves.
À la fin, on prétend comparer entre elles les conceptions des jeunes élèves et celles des enseignants.
Cette étude a révélé des problèmes graves qui affectent l’enseignement de la lecture et de l’écriture, à ce niveau. Ces problèmes tournent notamment autour de l’interaction lecture/écriture, qui demande une approche plus systématique.
Le texte clôt avec quelques suggestions de stratégies à mettre en action en classe de Langue Maternelle, afin de favoriser cette interaction et d’amélorier, d’une façon générale, le travail autour de la lecture et de l’écriture.

Abstract
The study presented in this text deals with a very important issue in teaching and learning mother tongue. It concerns identifying pupils’ and teachers’ conceptions about: (i) reading comprehension, (ii) writing, (iii) interaction between reading comprehension and writing and (iv) strategies designed to improve this relationship.
We chose 10 to 11 year old pupils, because they are in a period of transition which takes place immediately after they have left primary school. Generally, at this level, they begin to dislike reading and writing.
In what concerns teachers, everybody realizes how relevant their conceptions about reading comprehension and writing are for the work they do in teaching mother tongue.
We also thought it important to compare pupils’ conceptions to the teachers’ ones.
This study revealed some important problems affecting the teaching of reading comprehension and writing in mother tongue classes. Some of them are specially related to the interaction between these two abilities.
We finish our text by presenting some suggestions about how to promote this interaction in mother tongue classes.

1. Introdução

Cada vez mais o processo de ensino-aprendizagem da leitura e da escrita é alvo de críticas, pois o deficiente domínio destas duas competências, por parte dos alunos, gera níveis elevados de insucesso escolar.
Actualmente, a investigação em Didáctica da Língua Materna preocupa-se em analisar (entre outros) o problema da interacção leitura-escrita. Acredita-se que da dialéctica entre a compreensão na leitura e a produção escrita podem resultar mais-valias para os alunos, ao nível da sua aprendizagem em Língua Materna, que podem ser extensivas a todas as disciplinas que constituem o seu currículo.
Convictas desta realidade, pareceu-nos interessante analisar as representações de alunos do 5º Ano e professores de Língua Portuguesa que leccionam este nível de ensino relativas ao contributo da compreensão na leitura para o desenvolvimento da competência de produção escrita. Neste domínio como noutros, é importante conhecer as ideias dos principais intervenientes no processo de ensino-aprendizagem, para assim se poder contribuir para melhorar as práticas pedagógicas.
No entanto, desde o início do trabalho, tivemos consciência da dificuldade de abordagem do tema das representações. Como diz Guimarães (1992: 250), citando Ponte, é “fazer antropologia da nossa própria cultura”.
Este estudo teve, ainda, como objectivo propor estratégias a integrar numa pedagogia de escrita fundamentada e programada, orientada neste sentido.

2. Alguns conceitos essenciais

2.1. Interacção leitura-escrita
Ao falar da interacção leitura-escrita, está-se a pensar na relação biunívoca entre estes dois domínios: “ce qui est bon pour la lecture est bon pour l’écriture, (….) les apprentissages de la lecture et de l’écriture doivent être simultanés parce qu’ils se confortent l’un à l’autre”, como afirma Ropé (1994: 194).
Neste estudo, optou-se pela análise da influência que a compreensão na leitura pode ter sobre a produção escrita.
Tradicionalmente, a escola francesa concebe as relações leitura-escrita segundo os pressupostos de que ler ajuda a escrever e, na maior parte dos casos, precede o escrever, funcionando esta relação de acordo com processos mecânicos pouco explicados ligados à imitação textual e à “fotografia ortográfica” (cf. Reuter, 1996). Temos aqui uma visão unívoca, redutora.
Para se estabelecer a interacção leitura-escrita, recorria-se muitas vezes ao exercício de escrever um novo texto inspirado no texto que se tinha lido, a partir de instruções pouco precisas. É de salientar que estes textos lidos eram, geralmente, textos literários. Este procedimento suscita problemas, dado que alguns alunos se sentem inferiorizados perante textos tão valorizados, na escola e na sociedade, e que o professor, ao corrigir, se pode deixar influenciar pelo texto original. Também conduz, por vezes, à construção da representação, por parte dos alunos, de que o texto escrito é um produto acabado, impedindo-os de centrarem a sua atenção nos processos de construção e estruturação de textos (Pereira, 2000).
Estudos mais recentes, seguindo na esteira de autores como Goodman, vêem a leitura com compreensão (Pereira, 2000: 337-338) como um exercício de clarificação da “montagem do puzzle do texto-fonte, como aliás as práticas discursivas de paráfrase, resumo, contracção e reformulação de texto o exigem”, que incentiva a escrita. Deste modo (cf. Pereira, 2000), a articulação leitura-escrita converte o leitor num “escritor”, num “leitor-produtor”, por oposição ao “leitor-consumidor”, no sentido em que fala Barthes (1987).
No trabalho de articulação da leitura e da escrita, o género e/ou o tipo do texto assumem um papel importante. Por exemplo, quando se pede aos alunos que façam um comentário escrito, este já deve ter sido objecto de ensino, através de um trabalho de leitura e compreensão de textos similares. Nesta linha, as práticas de escrita têm de corresponder às práticas de leitura, para que se possa realizar a interacção leitura-escrita. Surgem, então, exercícios variados (Halté, 1996): construção de textos em “oficinas literárias” ou trabalho de intervenção na própria textualidade de um autor (por exemplo, escrever a continuação do texto ou melhorar o texto original).
Para simplificar a interacção leitura-escrita, Reuter (1996) categorizou-a de acordo com o lugar das leituras em relação à escrita: antes, durante e depois.
Neste estudo, entende-se por:
(i) revisão de textos, a releitura dos textos escritos, durante o processo de produção ou no fim do mesmo, bem como a alteração e reformulação de alguns aspectos, se necessário, por parte do aluno-autor, antes de fazer a entrega definitiva do texto produzido ao professor;
(ii) reescrita de textos, o escrever novamente o texto produzido, depois de uma análise crítica do mesmo, feita pelo aluno-autor e/ou por outrém (professor e/ou colegas); neste contexto, reescrever um texto não consiste em copiar o rascunho ou o que foi escrito e corrigido, mas sim reelaborar todo o texto, no que respeita aos seus vários aspectos; a reescrita de um texto não implica forçosamente que haja uma apresentação pública do mesmo, mas sim que seja feita a sua leitura crítica;
(iii) escrever a propósito de um texto lido e compreendido, todas as actividades de produção escrita que se baseiam num texto lido e que ocorrem depois de o aluno se ter apropriado do seu significado e de ter construído o seu próprio sentido para esse texto, de acordo com os seus conhecimentos prévios.

2.2. Abordagem desta temática nos documentos que regem o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa
O Programa para o 2º Ciclo do Ensino Básico (Ministério da Educação, 1991) concede à leitura e à escrita um lugar relevante no tempo lectivo atribuído à disciplina de Língua Portuguesa (Carvalho, 2001). Insiste-se no estabelecimento de uma relação biunívoca e interactiva – da leitura-compreensão à produção escrita e criativa e vice-versa. O aluno deve “Apropriar-se do texto lido recriando-o em diversas linguagens” (Ministério da Educação, 1991: 21) e “Praticar a escrita como meio de desenvolver a compreensão na leitura” (Ministério da Educação, 1991: 35).
Na introdução ao bloco “Escrever”, incentiva-se à revisão e à reescrita: “Importa, assim, que, na sala de aula, se promovam experiências conducentes à verificação de que qualquer texto é passível de ilimitadas reformulações e se criem sistemas motivadores de regulação da prática da escrita” (Ministério da Educação, 1991: 32). É necessário mostrar aos alunos que um texto escrito não é um produto acabado, mas sim um projecto que se constrói, num processo de interacção entre a leitura e a escrita, sendo imprescindível recorrer à revisão e à reescrita.

2.3. Representações e práticas: que relação?
O interesse pelo estudo das representações baseia-se no pressuposto de que nelas existe um substracto conceptual que exerce uma influência determinante no pensamento e na acção (Ponte, 1992). Este substracto não diz respeito a objectos ou acções bem determinados, mas antes constitui uma forma de os organizar, de ver o mundo, de pensar. Daí que não se revele com facilidade nem aos outros nem a nós mesmos.
Estas representações vão influenciar as práticas, na medida em que apontam caminhos, fundamentam decisões. Mas, as próprias práticas, condicionadas por diversos factores, geram naturalmente representações. De facto, existe uma relação interactiva entre as práticas e as representações.
Estamos convictas de que as representações dos professores acerca da Língua Portuguesa e do seu ensino desempenham um papel significativo na determinação das suas práticas pedagógicas. Consideramos também que eles estão numa posição-chave para influenciarem as representações dos alunos, visto que são responsáveis pela organização das experiências de aprendizagem dos discentes.

3. O estudo empírico
Neste estudo, participaram todos os alunos do 5º Ano de Escolaridade de uma Escola E.B. 2, 3 (cerca de 150 alunos) e os professores de Língua Portuguesa dessa mesma escola, que leccionam presentemente, ou já leccionaram, este ano de escolaridade (dez docentes).
Pareceu importante estudar as representações de alunos do 5º Ano, já que estes se encontram numa fase de transição entre dois níveis de ensino (1º e 3º Ciclos do Ensino Básico), em que, frequentemente, começam a manifestar desmotivação em relação à leitura e à escrita.
Optou-se por trabalhar apenas com os professores destes alunos, para se poder estabelecer comparações entre as perspectivas dos docentes e as dos discentes que se encontram no mesmo contexto formal.
Para recolher dados relativos às representações, foram aplicados dois questionários: um destinado aos alunos e outro, aos professores.
A análise dos dados recolhidos através dos questionários foi, simultaneamente, quantitativa e qualitativa (análise de conteúdo).
Procedeu-se à pré-análise das respostas, à exploração dos dados, à sua categorização por diferenciação e por reagrupamento, de acordo com critérios previamente estabelecidos. Finalmente, fez-se a sua interpretação e foram elaboradas conclusões e apresentadas sugestões pedagógico-didácticas.
Completou-se a análise destes dados com elementos obtidos a partir de entrevistas feitas aos professores inquiridos que se disponibilizaram para o efeito (apenas dois) e com algumas observações relativas aos documentos que regem o ensino-aprendizagem da Língua Portuguesa, da responsabilidade do Ministério da Educação.

4. Principais resultados do estudo feito

4.1. As representações dos professores
A partir da análise das respostas dadas pelos professores ao respectivo questionário, foi possível tecer algumas considerações relativas: (i) às representações dos inquiridos sobre o ensino da Língua Materna, em geral, e, em particular, sobre a leitura, a escrita e a sua interacção; (ii) às estratégias usadas para abordar a leitura e a escrita nas suas aulas; (iii) a estratégias que favoreçam a interacção leitura-escrita, na sua perspectiva.
Verificou-se que os professores inquiridos têm consciência de que o ensino-aprendizagem da Língua Materna, em contexto escolar, é um empreendimento bastante complexo, que necessita urgentemente de sofrer alterações. Apesar de, por vezes, se sentirem impotentes perante uma realidade cujos contornos não podem alterar (elevado número de alunos por turma, excessivo número de turmas por docente, necessidade de cumprir programas extremamente longos), estes profissionais consideram que é necessário mudar, inovar. Porém, muitos deles ainda não sabem como fazê-lo e outros ainda estão muito agarrados a concepções e práticas “tradicionalistas”, que os têm acompanhado ao longo de muitos anos de trabalho.
Segundo eles, é à escola que cabe a tarefa de ensinar a escrever (e nós acrescentaríamos: a tarefa de ensinar a ler). Porém, consideram que as práticas da leitura e da escrita (dois domínios fundamentais da disciplina de Língua Portuguesa, bem como das restantes disciplinas) não são bem vistas pela generalidade dos alunos. Segundo eles, assiste-se a uma grande falta de motivação, por parte dos alunos, quando é preciso escrever. Confrontados com este problema, tentam diversificar as estratégias e introduzir nas suas aulas outros recursos, para além do manual escolar - como é o caso do computador -, pois consideram-nos importantes para o desenvolvimento da competência de produção escrita dos alunos.
Para eles, existe uma relação entre a leitura e a escrita e estes dois domínios influenciam-se mutuamente. Porém, nem sempre verbalizam de uma forma clara a sua opinião e, por vezes, parece não terem uma ideia muito formada sobre o assunto. Relativamente a esta temática, têm ainda concepções ligadas ao senso comum: para eles, “alunos bons leitores” são “alunos bons escritores”.
Verifica-se também que a oralidade continua a estar no centro das suas práticas, na aula de língua materna, mas que é a escrita que tem o poder de seleccionar e avaliar (Fonseca, 1994).
A leitura de textos continua a iniciar as sequências de aprendizagem e as actividades de escrita são muito pontuais, pouco programadas e, normalmente, muito artificiais (cf. Pereira, 2000). Há um trabalho que passa pela leitura de enunciados escritos e por actividades de compreensão dos mesmos. Como refere Reuter (1994), as práticas lectivas centram-se ainda no objecto-texto, que se constrói e desmonta como um jogo de Lego, e, na maior parte das vezes, não desencadeia actividades de produção escrita.
No que se refere a actividades que promovam a interacção leitura-escrita, o encorajamento à releitura das produções escritas, por parte dos alunos, antes da entrega, parece ser uma prática habitual da maioria dos professores inquiridos, dado que permite um trabalho de reflexão sobre o escrito, de avaliação e auto-correcção.
Nota-se que estes professores recorrem a diversas estratégias que favorecem a compreensão escrita (leitura) e contribuem para o desenvolvimento da produção escrita (escrita): sobretudo, o resumo, o reconto escrito e a ordenação de extractos de histórias. Contudo, verifica-se que existe alguma confusão no que respeita às estratégias que estabelecem a interacção leitura-escrita: os inquiridos também fazem referência a estratégias que apenas dizem respeito à leitura ou à escrita.
Apesar destes professores revelarem uma visão pessimista da situação actual da leitura e da escrita (principalmente desta última) e de se mostrarem influenciados por alguns princípios teóricos que resultam de uma perspectiva “tradicionalista” da didáctica da escrita, detecta-se neles um desejo de inovação, que lhes permita resolver os problemas encontrados, e a influência de princípios que derivam de uma perspectiva “construtivista”.
4.2. As representações dos alunos
Ao contrário do que por vezes se pensa, os alunos inquiridos gostam de ler e escrever, nas aulas das várias disciplinas. Para eles, a leitura e a escrita desempenham um papel de grande importância nas suas vidas (escolar e social) e são fundamentais para poderem alcançar o sucesso numa profissão futura.
Gostam também de falar e ouvir, com o objectivo de contactar com o outro, de partilhar opiniões, enfim de comunicar e aprender mais e melhor. A seu ver, estes dois domínios também desenvolvem a leitura e a escrita, que determinam a sua avaliação escolar (sobretudo, o segundo).
Associada à leitura está, muitas vezes, a ideia de passatempo, de prazer, de algo divertido, enquanto que a escrita é, geralmente, um factor de angústia e desilusão. Estes alunos sentem que, quando não são bem sucedidos, quando cometem falhas, em tarefas de escrita, são sancionados pelo professor e, muitas vezes, pela sociedade em geral.
Para eles, existe uma relação entre a leitura e a escrita. Na sua opinião, é claro que o ler influencia o escrever, não sendo o inverso tão evidente.
Segundo estes alunos, nas aulas de Língua Portuguesa do 5º Ano, a actividade dominante é a leitura de um texto, seguida de questionário oral sobre o mesmo. De acordo com as suas respostas, a aula de Língua Materna é «desencadeada» pela leitura de um texto e a oralidade ocupa grande parte da aula, sendo as actividades de escrita menos frequentes. Muitas vezes, a escrita surge integrada em exercícios de compreensão, servindo de veículo para expressar o que se compreendeu. A escrita como produção é ocasional e pouco programada.
A escrita a propósito de leituras feitas não lhes desperta muito interesse, talvez por, como eles próprios afirmam, não ser uma actividade muito frequente nas aulas de Língua Portuguesa.
Os alunos inquiridos têm o hábito de reler os seus trabalhos, quando escrevem, fazendo-o sobretudo depois de terminarem a redacção do seu texto escrito.
Constata-se que apenas ocasionalmente reescrevem os seus textos. Logo, as correcções feitas pelo professor e/ou pelos colegas nem sempre são tidas em consideração para o aperfeiçoamento do trabalho escrito produzido.
Na opinião dos alunos inquiridos, as actividades que os ajudam a escrever melhor são a reescrita dos seus trabalhos, depois de corrigidos, e a leitura de um texto seguida de perguntas sobre o mesmo, a que respondam por escrito. No entanto, como eles próprios referem, estas actividades são muito pouco frequentes nas aulas de Língua Portuguesa.

4.3. Confronto entre as representações de professores e alunos
Os resultados da análise das respostas dadas pelos professores e das dadas pelos alunos foram cruzados, tendo em atenção os tópicos de análise subjacentes a este estudo: (i) representações sobre a leitura, a escrita e a sua interacção; (ii) actividades de leitura e escrita nas aulas de Língua Portuguesa (escrita a propósito de leituras feitas, revisão de textos, reescrita de textos); (iii) estratégias que favoreçam a interacção leitura-escrita.
Relativamente às representações sobre a leitura, tanto alunos como professores, afirmam que ler muito implica ler melhor, na perspectiva de compreender melhor o que se lê. Os alunos referem, ainda, que é mais fácil ler do que escrever, pois a leitura não exige tanto esforço, tanta concentração como a escrita e, sobretudo, porque sentem que, enquanto lêem, não estão a ser avaliados e o professor até os ajuda.
No que diz respeito à escrita, professores e alunos consideram que esta é muito importante, tanto no dia-a-dia como no processo de ensino-aprendizagem, e que, quando não é devidamente dominada, a mesma irá determinar negativamente o sucesso escolar. Os professores consideram que escrever não é um acto de inspiração, ou seja, que o domínio da escrita não é um dom de apenas alguns alunos. É, antes, um trabalho que exige planificação e orientação. Contudo, demonstram alguma incongruência, quando afirmam que se aprende a escrever, escrevendo, na “perspectiva tradicionalista”, isto é, através da repetição do mesmo exercício escrito: aprende-se a escrever escrevendo, tal como se aprende a falar, falando. Ao contrário da anterior, esta ideia não implica um trabalho programado e orientado por objectivos bem definidos.
Em relação à interacção leitura-escrita, tanto os professores como os alunos revelam uma concepção de senso comum, desvalorizada pela prática e pela investigação: consideram que os alunos que lêem muito, escrevem melhor. Porém, na maior parte das situações de sala de aula, não se verifica a verdadeira interacção leitura-escrita, no sentido da primeira para a segunda, pois não é feito um trabalho articulado e programado em torno desta interacção.
Os professores e os alunos inquiridos têm consciência de que um trabalho de articulação entre a leitura (compreensão) e a escrita (produção) gera mais sucesso, nos diferentes níveis do processo de ensino-aprendizagem, se se recorrer a estratégias mais variadas e adequadas (como, por exemplo, a revisão, a reescrita e a escrita a propósito de textos lidos), não se limitando a aula de Língua Materna à leitura de um texto (normalmente literário) e à resposta - oral - a perguntas de compreensão e interpretação sobre o mesmo.

5. Estratégias a integrar numa pedagogia de escrita fundamentada e programada
Após se ter feito um trabalho programado de compreensão da leitura, de acordo com objectivos bem definidos - em que o aluno interage com o texto lido, se apropria do seu sentido, reconstruindo o seu significado com base nos conhecimentos prévios que possui sobre o tema em questão, e toma consciência das características e exigências da produção escrita -, estabelece-se, então, um trabalho de interacção leitura (compreensão) – escrita (produção). Assim, antes do aluno produzir um texto, deve ser feito um trabalho de sensibilização, participativo e reflexivo, incluído nas actividades de compreensão na leitura, que facilitará a escrita.
Por outro lado, os alunos devem ler os textos que produziram e ser criticados. Nesse momento, os alunos são, ao mesmo tempo, produtores e leitores. Esta dinâmica leitura-escrita é fundamental, para que o aluno possa proceder à reescrita do seu texto e ao seu aperfeiçoamento. Daí que os processos de revisão e reescrita sejam basilares, em qualquer situação de produção escrita.
Dado que a revisão e a reescrita de textos não são práticas regulares, nas aulas da disciplina de Língua Portuguesa, é necessário investir mais nestas estratégias, pois tanto os professores como os alunos reconhecem o seu valor no desenvolvimento da competência de produção escrita.
Ainda relativamente à revisão e à reescrita, é preciso que o professor desenvolva uma inter-relação de habilidades linguísticas entre o ouvir, o falar, o ler e o escrever (cf. Cassany, 1999). Pois, muitas vezes, por um lado, os alunos têm dificuldades em verbalizar os seus processos de composição (o texto produzido, os processos seguidos, as decisões tomadas), porque, normalmente, escrevem em silêncio e raramente falam dos seus escritos. E, por outro lado, não estão habituados a ouvir ou a ler textos reais e imperfeitos dos colegas, dado que, frequentemente, lêem modelos exemplares da literatura ou extractos do manual, sempre impressos. Daí que Cassany (2001), um grande defensor da revisão em situação de diálogo entre os alunos, sugira um conjunto de ideias, que organizam as tarefas de revisão e que permitem superar a resistência inicial dos alunos e guiá-los no uso de destrezas eficazes.

Referências bibliográficas
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