sexta-feira, 2 de maio de 2008

Martins e Sá, 2008c

Referência bibliográfica:


MARTINS, M. E. e SÁ, C. M. (2008). Ser leitor no séc. XXI. Importância da compreensão na leitura para o exercício pleno de uma cidadania responsável e activa.
Saber&Educar, 13, pp. 235-246

Texto publicado:

Resumo

Entre o fim do século passado e o início deste, o sistema educativo português tem conhecido várias reformas, cujo objectivo central é procurar adaptá-lo às características da sociedade moderna.
Vivemos numa sociedade marcada pela circulação da informação – nomeadamente, da informação escrita – e pela massificação do acesso às novas tecnologias da comunicação – principalmente a Internet –, onde a compreensão na leitura tem uma importância cada vez mais proeminente e a falta de competências neste domínio dificulta a integração plena do indivíduo na sociedade e a sua inserção no mercado de trabalho.
Assim, no centro do actual debate sobre o papel da Educação no desenvolvimento humano, deve estar a construção de um ensino orientado para a aquisição e desenvolvimento de competências transversais, particularmente no que se refere ao domínio da compreensão na leitura. Dentro desta problemática, daremos especial atenção às questões surgidas em torno do conceito de literacia, em que os aspectos centrados na compreensão na leitura ocupam um lugar de relevo, dado que as competências neste domínio contribuem decisivamente para moldar a nossa memória colectiva e para garantir o exercício de uma cidadania responsável e activa.
Outro dos objectivos desta comunicação é determinar em que medida os manuais de Língua Portuguesa actualmente existentes vão ao encontro dos princípios que definem um ensino/aprendizagem orientado para o desenvolvimento de competências transversais no domínio da compreensão na leitura, por serem um dos recursos educativos mais utilizados nas escolas portuguesas, por professores e alunos. Com esse fim, construímos uma grelha de análise de manuais desta área curricular, tendo em conta os princípios definidos pela literatura da especialidade e as directrizes propostas pela política educativa portuguesa.

Palavras-chave: Transversalidade; Compreensão na Leitura; Manuais escolares de Língua Portuguesa, Educação para a Cidadania


Introdução

Vivemos numa sociedade que se alimenta da circulação da informação, nomeadamente da informação escrita, e que distingue os seus membros pelos seus níveis de acesso a esta, bem como de capacidade de uso dessa mesma informação. É, pois, natural que se atribua às capacidades de compreensão e de produção da escrita um interesse cada vez mais proeminente.
O ensino/aprendizagem da língua portuguesa deverá desempenhar um papel crucial neste contexto.
Deste modo, “através da disciplina de Língua Portuguesa, o aluno deverá aprender a usar a linguagem, a defender-se da linguagem, a interagir através da linguagem, a intervir com os outros através da linguagem. E esse será o domínio com que o aluno parte, no presente da escola, para o sucesso noutras disciplinas e, no futuro, para a integração na vida.” (Silva, 2000: 366).
Urge, de igual forma, reflectir sobre o concepção de literacia partilhada pela comunidade internacional, a qual abrange um conjunto de práticas sociais que envolvem textos escritos e é definida como a competência que permite a compreensão e o uso de textos escritos “to achieve one’s goals, to develop one’s knowledge and potential, and to participate in society” (OECD, 2001: 4).
Segundo Sousa (1999), para ter leitores, é indispensável formá-los, não basta desejá-los. Formar leitores exige da escola, e dos vários intervenientes no processo educativo, atitudes que estimulem o pensamento, o sentido crítico, que respondam a desafios, apostando em objectos de leitura ricos e diversificados e numa postura de diálogo e cooperação, desde o início da escolaridade.
Neste contexto, e por serem um dos recursos educativos mais utilizados, tanto no ensino/aprendizagem da língua portuguesa como no das outras áreas curriculares, é necessário debater, à luz da política educativa portuguesa e da literatura da especialidade, a importância dada pelos manuais escolares de Língua Portuguesa ao desenvolvimento de competências nos alunos, particularmente no que diz respeito à compreensão na leitura.

Ensino/aprendizagem da língua portuguesa e desenvolvimento de competências transversais

A transversalidade promove uma compreensão abrangente dos diferentes objectos de conhecimento, bem como a percepção da implicação do sujeito na produção do conhecimento, alterando profundamente as relações entre ambos.
Tendo em conta esta realidade, o Ministério da Educação (1999) definiu competências transversais essencialmente relacionadas com a aquisição de saberes metodológicos que permitem a realização de aprendizagens de natureza cognitiva e afectiva.
Estas competências atravessam todas as áreas curriculares (disciplinares e não disciplinares) propostas pelo currículo, ao longo de toda a escolaridade, sendo igualmente relevantes noutras situações da vida dos alunos.
De facto, o gosto pela pesquisa, a capacidade de procurar informação em vários contextos e suportes, a capacidade de comunicação, o recurso a estratégias cognitivas, o desenvolvimento de um pensamento autónomo a par da capacidade para cooperar com outros constituem exemplos de aspectos centrais da aprendizagem e devem ser considerados como elementos fundamentais do currículo.
Uma escolarização significativa, por um lado, abre espaço para a inclusão de saberes extra-escolares, possibilitando a referência a sistemas de significado construídos na realidade em que os alunos se inserem. Por outro lado, requer o desenvolvimento de processos que contribuam para que os alunos sejam progressivamente mais activos e mais autónomos na sua própria aprendizagem.
No âmbito da transversalidade, assume um papel de incondicional relevância a área curricular disciplinar de Língua Portuguesa, como promotora de saberes instrumentais indispensáveis à aquisição de outros saberes relacionados com a formação global do aluno (Valadares, 2003).
Tendo em conta que toda a experiência escolar é, em larga medida, uma experiência linguística e que os alunos precisam de desenvolver capacidades para funcionar, efectivamente, com a língua falada e escrita, então temos de assumir as tarefas de educação linguística como projecto colectivo e transversal.
A transversalidade da língua portuguesa manifesta-se, por um lado, através do desenvolvimento, nos alunos, de competências importantes para o seu sucesso escolar e a sua integração socioprofissional através do processo de ensino/aprendizagem associado à área curricular disciplinar de Língua Portuguesa e, por outro lado, através do contributo que o ensino/aprendizagem nas outras áreas curriculares disciplinares e não disciplinares poderá dar para o melhor domínio da língua portuguesa, uma vez que esta é a língua veicular em que todo trabalho escolar se processa (Sá, 2006).
Esta abordagem pretende responder ao desafio de aproximar os discursos oficiais dos programas das diversas áreas que compõem o currículo formal do Ensino Básico em Portugal, usando para tal o vector da língua através da qual cada uma dessas áreas curriculares – disciplinares ou não disciplinares – se deixa apreender (Rey, 1996).
Hoje em dia é já natural reconhecer-se “a Língua Materna como elemento mediador que permite a nossa identificação com os outros e a descoberta e compreensão do mundo que nos rodeia. Tem-se como seguro que a restrição da competência linguística impede a realização integral da pessoa humana, isola da comunicação, limita o acesso ao conhecimento, à criação e fruição da cultura e reduz ou inibe a participação na praxis social (Ministério da Educação, 1998: 141).
A língua portuguesa é ainda a língua de acolhimento das minorias linguísticas que vivem no país. Deste modo, o seu domínio é também muito importante no desenvolvimento individual, no acesso ao conhecimento, na integração social, no relacionamento social, no sucesso escolar e profissional e no exercício pleno da cidadania de todos aqueles que têm a língua portuguesa como língua estrangeira ou como língua segunda.
Assim, esta orientação transdisciplinar no plano da educação linguística implica alterações na gestão do currículo e mudanças nas atitudes dos professores para com as suas especialidades, porque exige o desenvolvimento de novas competências no âmbito da análise e da intervenção sobre as práticas linguísticas (Castro, 1997).
Um estudo, levado a cabo por Neves (Neves, Sá, 2005), junto de supervisores de Língua Portuguesa a leccionar no 3º Ciclo do Ensino Básico, permite concluir que são ainda muitos os factores que impedem a adopção de uma perspectiva transversal no âmbito da área curricular disciplinar de Língua Portuguesa. Dentre eles, destacam-se o desconhecimento das múltiplas vantagens das competências transversais e da forma de as operacionalizar.
No entanto, a presença da língua portuguesa no Ensino Básico tem vindo a ser encarada cada vez com mais afinco e seriedade, dado que esta desempenha um papel extremamente importante na formação dos alunos a todos os níveis, se se tiver em conta as inúmeras possibilidades abertas pela sua transversalidade.
A aula de Língua Portuguesa “ao convocar todos os conhecimentos imprescindíveis a uma análise da língua e ao seu exercício, transmissão e fruição, apresenta-se, não como um somatório desses conhecimentos, mas sim apoiada numa transversalidade disciplinar que exige o recurso a inquietações pedagógicas e didácticas derivadas das práticas encontradas nessa transversalidade.” (Sequeira et al, 1989: 157).

O ensino/aprendizagem da compreensão na leitura associado à operacionalização da transversalidade da língua portuguesa

Se pensarmos no papel desempenhado pela língua portuguesa nas nossas vivências sociais, facilmente concluiremos que o seu adequado domínio é um factor essencial da formação dos cidadãos. Este facto confere um lugar de destaque à área curricular disciplinar de Língua Portuguesa no contexto do nosso sistema educativo, já que (Sá, 2004: 7) o seu processo de ensino/aprendizagem deve “conduzir a aprendizagens que se irão revelar úteis na frequência de qualquer outra disciplina do currículo do aluno e ainda pela vida fora.”
A realização deste propósito passa, entre outros aspectos, pelo desenvolvimento de competências no domínio da compreensão na leitura e da expressão escrita.
De facto, a leitura, a par da escrita, é uma das actividades mais importantes do universo social e escolar dos indivíduos. A sociedade actual e as suas constantes mutações exigem uma profunda reflexão sobre o que é a leitura, o papel que ocupa no currículo e a forma como é ensinada e avaliada.
Compete à Escola, através da acção dos professores e de outros agentes que nela se integram, e da influência dos manuais, dentre outros elementos que podem afectar o processo de ensino/aprendizagem, colmatar as graves lacunas detectadas em estudos relativos à literacia.
É também à Escola que compete, em grande parte, a formação do leitor do séc. XXI, que se confronta com desafios cada vez mais complexos.
Assim, esta terá que adequar as suas estratégias às necessidades do mundo actual, para poder ultrapassar os problemas detectados e contribuir para a melhoria do desempenho dos alunos, futuros cidadãos.
Segundo Sim-Sim (2003: 5), “A complexidade envolvida no processo de aprendizagem da leitura requer do aprendiz de leitor motivação, vontade, esforço e consciencialização do que está a ser aprendido. Por sua vez a morosidade inerente ao domínio desta competência exige, também, que o seu ensino não se limite à descodificação alfabética e se prolongue, de forma sistematizada e consistente, ao longo de todo o percurso escolar.”
A compreensão é uma das competências transversais e, mais especificamente, a compreensão na leitura desempenha um papel primordial na aprendizagem de outras disciplinas do currículo dos alunos e na vida extra-escolar. Podemos concluir que ler e compreender textos são operações importantes no dia a dia do cidadão perfeitamente integrado na sociedade.
Muitas são as funções desempenhadas pela leitura na escola e na vida. Lê-se para ampliar os limites do conhecimento, para obter informação, para descontrair, para reflectir, … Um ensino/aprendizagem eficaz da leitura apoia-se no sentido de prática social e cultural que esta possui. Só desta forma os alunos poderão entender a sua aprendizagem como um meio de ampliar as possibilidades de comunicação, desfrute e acesso ao conhecimento (cf. Colomer: 2001).
A língua portuguesa, quer como língua materna do sujeito, quer como língua de acolhimento, é fundamental no processo de comunicação e no processo de estruturação do pensamento. Cabe à área curricular disciplinar de Língua Portuguesa promover a aquisição e desenvolvimento de competências, concretamente em compreensão na leitura que possibilitem um uso correcto da língua para comunicar adequadamente e para estruturar os pensamentos.
Contudo, a aquisição e desenvolvimento de competências em compreensão na leitura não se pode restringir à aula de Língua Portuguesa. Todas as áreas curriculares disciplinares e não disciplinares devem estar ao serviço da referida aquisição e desenvolvimento. Assim se reforça mais uma vez a grande importância da transversalidade da língua portuguesa associada à compreensão na leitura.
Corroborado que está o importante papel da Língua Portuguesa no desenvolvimento de competências transversais, necessárias para o sucesso do aluno dentro e fora da escola e ao longo da sua vida, concretamente no domínio da compreensão na leitura, centramos a nossa atenção no conceito de literacia, no nível de iliteracia da população portuguesa e no contributo que a escola e a sociedade portuguesas poderão dar para a resolução dos problemas dele decorrentes.

Papel da operacionalização da transversalidade da língua portuguesa na resolução de problemas de iliteracia

Entende-se literacia como a capacidade de processamento de informação escrita de uso corrente contida em materiais impressos vários (gráficos, documentos, textos) (Benavente et al., 1996: 4).
Segundo Sim-Sim (1993: 7), o conceito de literacia diz respeito à “capacidade de compreender e usar todas as formas e tipos de materiais escritos requeridos pela sociedade e usados pelos indivíduos que a integram.”
De acordo com o Relatório Nacional sobre o PISA (GAVE, 2001), a “Literacia de leitura foi definida como a capacidade de cada indivíduo compreender, usar textos escritos e reflectir sobre eles, de modo a atingir os seus objectivos, desenvolver os seus próprios conhecimentos e potencialidades e a participar activamente na sociedade.”
Estudos nacionais e internacionais ajudam-nos a compreender alguns dos problemas que foram causados pela massificação do ensino. Reforçam, de igual forma, a importância extrema da leitura no âmbito escolar e extra-escolar, nomeadamente na obtenção do sucesso escolar e social. Com fracas competências em compreensão na leitura, os alunos são cidadãos iletrados, pouco interventivos e pouco críticos, o que condicionará o desenvolvimento económico e social do nosso país.
Actualmente sentimos uma grande preocupação com as questões relacionadas com a compreensão na leitura.
Estudos elaborados, quer a nível nacional, quer a nível internacional, demonstram que os nossos alunos apresentam falhas significativas ao nível da compreensão na leitura. De facto, muitos dos alunos que concluem o Ensino Básico saem da escola com várias lacunas ao nível da compreensão na leitura, o que torna difícil a sua inserção em sociedade, ou seja, as competências por eles desenvolvidas ao longo da escolaridade obrigatória não são suficientes para lhes proporcionarem uma vida pessoal e profissional de sucesso e o exercício de uma cidadania crítica e interventiva.
Deste modo, desenvolver competências de compreensão na leitura é um dos objectivos essenciais da escolarização dos cidadãos e um contributo fundamental para a sua integração social.
A capacidade de usar a informação escrita é uma questão de sobrevivência na vida do cidadão, um factor de facilidade no acesso à cultura comum e na sua partilha, na mobilidade social. A incapacidade de o fazer constitui um factor de redução do nível e da qualidade da participação social, logo, de exclusão social.
Por estas e outras razões, os problemas decorrentes de dificuldades em leitura e em escrita deveriam ser abraçados por todos, de forma a se colmatarem as várias lacunas detectadas.
À escola cabe um papel importante na resolução de problemas de literacia. Urge intensificar as medidas que se relacionam com a alteração da abordagem escolar da compreensão na leitura.
Alguns dos objectivos que devem nortear o ensino/aprendizagem da compreensão na leitura prendem-se, entre outros, com: i) o reconhecimento e identificação da informação solicitada; ii) a compreensão da informação explícita nos textos lidos; iii) a compreensão da informação não explícita no texto associada à capacidade de realizar inferências; iv) a selecção da informação de acordo com instruções dadas; v)a produção de textos com intenções comunicativas específicas.
Também as experiências de aprendizagem devem ser bastante diversificadas e adequadas aos alunos.
Para tentar solucionar os problemas e as lacunas detectados ao nível da compreensão na leitura, sugerem-se algumas situações de aprendizagem a propor aos alunos, que também valorizam a interacção leitura/escrita, como, por exemplo: implicar os alunos em situações de leitura com várias finalidades (ler para obter informação de carácter geral ou precisa, para seguir instruções, para aprender, por prazer, para praticar a leitura em voz alta, para verificar o que se compreendeu, entre outras); levar a cabo actividades que propiciem o desenvolvimento da competência lexical; promover actividades de articulação da leitura com a escrita como proceder à reescrita de textos.
Por outro lado, é também necessário envolver mais os alunos nas actividades realizadas em sala de aula, motivando-os e ajudando-os a serem autónomos na sua aprendizagem.
Esperamos que a escola “atribua ou transfira para o aluno a responsabilidade da construção do conhecimento, que ofereça aos alunos a possibilidade real de participar activamente na sua própria aprendizagem” (García e Pérez, 2001: 16).
Há também que reconhecer que as novas formas de comunicação (Internet, chats, fóruns, correio electrónico, sms, msn) requerem competências de leitura e escrita diferentes das que são praticadas em sala de aula. Deste modo, é necessário fazer adaptações na gestão do currículo, para que este se adeqúe à nova realidade sociocultural. Antes de mais, é necessário relacionar as actividades de leitura propostas aos alunos na escola com as suas vivências. Não podemos continuar a cingir-nos a actividades e textos que nada têm a ver com as suas experiências.
Como afirma Colomer (2003: 159),“A ideia de que saber ler (e escrever) representa a chave do acesso à cultura e ao conhecimento está profundamente enraizada na nossa sociedade.”
No entanto, o afastamento dos alunos em relação à leitura e à escrita é ainda uma realidade, apesar destes saberem que estas são fundamentais para o seu futuro.
Também é importante que o hábito de ler faça parte da vida dos docentes. Um docente que não tenha hábitos de leitura dificilmente motivará os seus alunos para a leitura. Além disso, poderá não ter consciência do valor da leitura para a obtenção do sucesso escolar e para o exercício de uma cidadania interventiva e crítica.
Outra grande questão prende-se com a falta de hábitos de leitura nas famílias. A prática de leitura tem que ser realizada com frequência dentro e fora da sala de aula, para que os alunos desenvolvam efectivamente hábitos de leitura.
Estamos a braços com uma grande contradição: se todos sabemos que é fundamental ler e escrever bem, como é que nos afastamos cada vez mais da leitura? Será que a leitura não tem sentido para nós?
Uma das medidas recentes para solucionar os problemas de iliteracia em questão partiu do Ministério da Educação e diz respeito à criação do Plano Nacional de Leitura, lançado no início de 2006, em articulação com o Ministério da Cultura e o Gabinete dos Assuntos Parlamentares. Esta iniciativa visa:
- promover a leitura, assumindo-a como factor de desenvolvimento individual e de progressão nacional;
- criar ambientes favoráveis à leitura;
- inventariar e valorizar práticas pedagógicas e outras actividades que estimulem o prazer de ler entre crianças, jovens e adultos;
- criar instrumentos que permitam definir metas cada vez mais precisas para o desenvolvimento da leitura;
- enriquecer as competências dos actores sociais, desenvolvendo a acção dos professores e de mediadores de leitura, informais e formais.
Assim, o Plano Nacional de Leitura vem complementar o Currículo Nacional do Ensino Básico, reforçando a importância dada à Língua Portuguesa e à leitura pelo sistema educativo português.
Um bom desempenho em compreensão na leitura, além de elevar os níveis de literacia, conduzirá o país a um patamar socio-económico mais favorável para todos os cidadãos, dotando-os de competências fundamentais para fazerem face ao avanço tecnológico e para exercerem plenamente a sua cidadania.
Depois de termos reflectido sobre o conceito de literacia, os problemas de iliteracia da população portuguesa e formas de os colmatar, urge, de igual forma, analisar o papel que o manual escolar de Língua Portuguesa deve desempenhar no processo de aquisição de competências ao nível da compreensão na leitura.

Importância do manual escolar de Língua Portuguesa na formação do leitor do século XXI

Pretende-se que a escola produza um discurso pedagógico-didáctico compreensível para os alunos. Este discurso deve estimular nos alunos a curiosidade, o espírito de análise de situações da vida e de descoberta, em vez de os ensinar a passivamente receberem um conhecimento já feito.
É igualmente importante que os manuais escolares cumpram estes requisitos.
Por tudo isto, na concepção de um manual escolar, deve ser dada atenção à linguagem, à concepção teórica do manual, à interdisciplinaridade, autonomia e criatividade, à concepção crítica da cidadania, à discriminação e ainda, aos conteúdos, às actividades, aos recursos didácticos, à avaliação. Deve, de igual forma, ser dada atenção ao modelo pedagógico-didáctico que o manual veicula.
Não podemos ignorar que, actualmente, se quer romper com a ideia de um currículo que se esgota nos conteúdos. Pretende-se que o currículo escolar se oriente para o desenvolvimento de competências. E, no quadro desta orientação, impõe-se repensar, quer a estrutura de muitos manuais escolares, quer o modo como são usados no desenvolvimento desse currículo, tendo em conta o facto de que estes aspectos estão intimamente ligados e se condicionam mutuamente.
O manual escolar tem sido encarado como um elemento regulador das práticas pedagógicas, quando deveria ser um instrumento orientador. Como afirma Brito (1999: 142), “sabemos que, algumas vezes, infelizmente não é o programa que determina a prática lectiva e conduz o professor a definir os objectivos do ensino, porque é o manual escolar, transformado num instrumento todo poderoso, que influencia e determina a prática pedagógica, às vezes, tomado por uns, como uma “bíblia”, cujo conteúdo é totalmente assumido como única verdade.”
Como já foi referido, a leitura ajuda a comunicar, a adquirir conhecimentos, a desenvolver a criatividade e está presente em todas as áreas curriculares. É essencial para as aprendizagens dos alunos e ajuda-os a desenvolverem-se como pessoas.
Por conseguinte, os manuais escolares – e, muito particularmente, os de Língua Portuguesa – devem constituir um contributo para ajudar a formar leitores competentes (Morais, 2006).
Assim sendo, importa reflectir sobre o papel a desempenhar pelos manuais escolares de Língua Portuguesa do Ensino Básico na aquisição e desenvolvimento de competências em compreensão na leitura, a fim de dotar os alunos de instrumentos indispensáveis à participação activa na sociedade em que se inserem.
Interessa também apresentar alguns dos princípios orientadores desta reflexão.
Antes de mais, é essencial caracterizar, nas suas linhas gerais, a forma como a compreensão na leitura é abordada nos manuais de Língua Portuguesa para os vários ciclos do Ensino Básico.
De seguida, é imprescindível comparar essas linhas gerais com os princípios definidos pela literatura da especialidade e as directrizes propostas pela política educativa portuguesa para este domínio.
Por fim, prevemos a elaboração de um documento contendo princípios que possam apoiar a elaboração de propostas didácticas efectivamente orientadas para o desenvolvimento de competências associadas à compreensão na leitura, no âmbito dos manuais escolares associados ao ensino/aprendizagem da língua portuguesa.
Para tornar possível a análise dos manuais escolares que constituem a amostra deste estudo, construímos uma grelha, a partir de uma aturada pesquisa e revisão de literatura da especialidade e das directrizes propostas pela política educativa portuguesa para o domínio em causa.
A partir desta grelha, é nosso objectivo determinar em que medida os manuais de Língua Portuguesa actualmente existentes vão ao encontro dos princípios que definem um ensino/aprendizagem da referida disciplina orientado para o desenvolvimento de competências em compreensão na leitura.
O manual escolar, como promotor da compreensão leitora, deve permitir criar uma atmosfera propícia à leitura, apresentando finalidades, objectivos a atingir e competências a desenvolver aquando da prática de leitura. Deve também disponibilizar aos alunos e ao professor todos os conteúdos do currículo e materiais de leitura diversificados que os permitam trabalhar, possibilitando a variação das experiências de leitura dos alunos, para os motivar para a mesma.
Deve, de igual forma, dar a conhecer aos alunos diferentes tipos de textos, diferentes tipos de linguagem de que eles se possam servir dentro e fora da escola. Devem, de igual forma, desenvolver nos alunos a capacidade de fazer inferências e de compreender os textos recorrendo à articulação com os conhecimentos prévios. Relativamente ao ensino/aprendizagem da leitura, os manuais devem tornar possível o confronto dos alunos com textos e obras motivantes, em situações reais para serem cativados.
As actividades em torno da leitura devem ser seleccionadas de acordo com dois aspectos fundamentais: a motivação e a activação de desenvolvimento cognitivo.
Só desta forma os manuais permitirão colmatar as dificuldades dos alunos ao nível da leitura, especificamente no que se refere à extracção de informação e posterior recuperação da mesma.
Deste modo, acreditamos que os manuais, enquanto orientadores das práticas, podem ter um papel muito importante na luta contra a ineficácia da Escola ao nível do ensino/aprendizagem da leitura e da escrita. Eles podem ser um factor de sucesso na motivação dos alunos face à leitura e escrita e no desenvolvimento de competências nestes dois domínios.
Acreditamos que o manual de Língua Portuguesa pode ser um bom auxiliar do professor na sensibilização para a leitura. Segundo Galveias (2004:74), “apesar do reconhecimento consensual de que ler é compreender, a Escola contradiz, com frequência, esta afirmação, ao basear o ensino da leitura numa série de actividades que se supõe serem destinadas a mostrar aos alunos como se lê, mas nas quais, paradoxalmente, nunca é prioritário o desejo de que compreendam o que diz o texto.” Também os manuais têm contribuída para esta situação.
Assim, é necessário que os manuais de Língua Portuguesa ajudem a alterar as práticas pedagógicas, tornando-as mais intencionais, coerentes e proficientes.
Ao professor é exigido que seja capaz de implementar práticas renovadoras, motivadoras, acompanhando e implementando o que a investigação no domínio da Educação em Línguas vai revelando. Aos manuais escolares é exigido que se tornem num instrumento ao serviços destas práticas.

Considerações finais

Actualmente, a sociedade exige que a escola, com a ajuda da família e do meio envolvente, forme cidadãos activos, conscientes, independentes e críticos e não alunos submissos.
É cada vez mais necessário dominar a leitura, para se poder viver em sociedade, para se ser bem aceite e para poder usufruir dos vários recursos que ela põe ao nosso dispor. Assim é muito importante o papel da disciplina de Língua Portuguesa no Currículo do Ensino Básico.
Ser leitor no século XXI exige do aluno motivação, vontade, esforço. A aprendizagem da leitura é para a vida inteira e vai muito para além da descodificação alfabética, prolongando-se por toda a escolarização.
Uma vez que a sociedade confere muita importância à leitura, a integração do indivíduo exige a aquisição e o desenvolvimento de competências relacionadas com a compreensão da informação escrita. Fica assim reforçada a importância da leitura como ferramenta de aprendizagem fundamental para todos, em todas as idades.
Deste modo, as práticas discursivas de leitura e também de escrita devem ser encaradas como fenómenos sociais que ultrapassam os limites da escola. Partimos do princípio de que o trabalho realizado por meio da leitura e da produção de textos é muito mais do que descodificação de signos linguísticos. Pelo contrário: é um processo de construção de significado e atribuição de sentidos.
De igual forma, concebe-se a leitura como uma actividade própria da disciplina de Língua Portuguesa e que ocupa um lugar e fulcral nesta. Esta concepção justifica-se pelo facto de a leitura permitir a concretização de uma pluralidade de funções acometidas à generalidade das acções educativas, particularmente no campo da formação pessoal e da socialização (Dionísio, 2000).
Por fim, apostamos na reflexão sobre o papel dos manuais enquanto ferramentas importantes na aquisição e o desenvolvimento de competências no domínio da comunicação.
Na verdade, os manuais de Língua Portuguesa do Ensino Básico podem ajudar a desenvolver metodologias de estudo e estratégias de raciocínio verbal importantes para a resolução de problemas do dia-a-dia do cidadão comum. Poderão, igualmente, permitir a descoberta da multiplicidade de dimensões da experiência humana, através do acesso ao património escrito que constitui um arquivo vivo da experiência cultural, científica e tecnológica da Humanidade. De forma mais restrita (e tendo em conta a problemática contemplada neste estudo), poderão contribuir para desenvolver nos alunos competências associadas à compreensão na leitura.

Bibliografia (não formatado)

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