segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Sobre alguns princípios relativos à abordagem didáctica da compreensão na leitura

Texto de referência:
NÓVOA, António (2009). Sobre a escola nova. Conferência proferida no Congresso Internacional de Promoção da Leitura: Formar leitores para ler o mundo. 22 e 23 de Janeiro de 2009. Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

Comentário:
O conferencista centrou a sua intervenção em quatro princípios que, na sua opinião, constituem a base do Movimento da Escola Nova:
1) a promoção de uma educação integral, que contemple todas as dimensões do indivíduo e que deverá ser da exclusiva responsabilidade da escola;
2) a conversão do aluno no centro do processo de ensino/aprendizagem;
3) o recurso a métodos activos, que pressupõem uma grande participação do aluno no processo de ensino/aprendizagem;
4) a diferenciação pedagógica, associada a um atendimento individual do aluno.
Segundo Nóvoa, são metas exigentes, logo difíceis de concretizar, e que devem ser revistas à luz das novas características da escola portuguesa.
Assim sendo:
- actualmente, a escola continua a desempenhar um papel importante na educação, mas não é a única responsável por esta, devendo estabelecer parcerias com outros agentes educativos/formativos (por exemplo, pais e encarregados de educação, autarquias, outras instituições integradas na comunidade de que a escola faz parte);
- a educação deverá continuar a ser integral, abrangendo todas as dimensões do indivíduo, preparando-o para a realização pessoal e a vivência de uma cidadania activa e crítica;
- a criança já é o centro do processo de ensino/aprendizagem, pelo que não será necessário insistir tanto neste princípio;
- são promovidos métodos activos, sendo necessário agora insistir particularmente em métodos reflexivos;
- é necessário investir a sério na diferenciação pedagógica, tanto mais que o público que actualmente frequenta a escola é muito mais heterogéneo do que o da época em que o Movimento da Escola Nova se afirmou; é indispensável apostar num melhor conhecimento dos alunos e no diálogo com eles que conduza a uma melhor rentabilização das suas competências e saberes para os levar a novas aprendizagens e vivências.
Sobre estes aspectos, gostaria de fazer dois comentários.
Um refere-se à ideia de que a criança, no contexto educativo actual já é o centro do processo de ensino/aprendizagem. Será assim. Mas é importante rentabilizar essa valorização da criança, em termos educativos, tendo em conta a sua cultura e as suas aprendizagens, para promover um processo de ensino/aprendizagem que conduza realmente ao sucesso, na vida escolar e na vida em sociedade.
O outro refere-se à ideia de que, no contexto educativo actual, se recorre efectivamente a métodos activos, pelo que há que insistir em métodos reflexivos. Nada tenho contra a reflexão, mas não sinto que os métodos activos utilizados actualmente sejam os mais eficazes. Penso que se dá espaço ao aluno para agir, dentro da sala de aula, mas que essa acção nem sempre é devidamente orientada para o desenvolvimento de competências nas crianças e para a consecução dos objectivos formulados para o processo de ensino/aprendizagem. Obviamente, um processo de ensino/aprendizagem desta natureza implica o recurso à reflexão crítica.
Falta agora associar estas ideias à abordagem didáctica da compreensão na leitura e da promoção da leitura, o que o conferencista não fez.
De seguida, vou apresentar algumas ideias sobre esta questão, procurando demonstrar que os quatro princípios de base do Movimento da Escola Nova podem, efectivamente, servir esta causa:
- penso que não oferece dúvidas a ninguém a ideia de que a leitura influencia a formaçºao integral do indivíduo, contribuindo para a sua realização pessoal (na medida em que contribui para o seu sucesso escolar e ainda para a sua integração social) e para a vivência de uma cidadania activa e crítica (que pressupõe o exercício de competências associadas à compreensão na leitura);
- para a promoção da leitura e para uma melhor abordagem didáctica da compreensão na leitura, a escola tem todo o interesse em não se fechar em si própria, antes criando parcerias com entidades que podem colaborar com os seus saberes e competências (por exemplo, os pais, os bibliotecários, os mediadores de leitura) e ainda com recursos de que a escola não pode dispor (por exemplo, bibliotecas externas, autarquias e até empresas que queiram exercer o mecenato associado à leitura);
- tais finalidades implicam também que a escola conheça bem as culturas dos seus alunos (que influenciam a sua atitude em relação à leitura, o tipo de textos que lêem) e parta delas para os conduzir a novas aprendizagens neste domínio, que desembocarão em novos saberes e em novas competências; partindo dos hábitos de leitura efectivos dos alunos e explorando-os com eles, é possível conduzi-los a novos hábitos; por exemplo, a partir de letras de canções, é possível fazer a ponte com textos poéticos literários e criar no aluno o gosto pela sua leitura, ao mesmo tempo que se facilita a sua compreensão dos mesmos, porque o seu estudo é feito a partir daquilo que ele sabe e vivenciou; a apetência pelas novas tecnologias pode ser explorada, por exemplo através da consulta de páginas na internet que apresentem textos do género que a escola quer promover junto dos alunos; as culturas dos alunos também podem fornecer conhecimentos prévios a rentabilizar na compreensão dos textos estudados na escola;
- deste modo, também se faz do aluno o centro do processo de ensino/aprendizagem, além de que esse esforço passa por uma diferenciação pedagógica rentável;
- este trabalho implica igualmente o recurso a métodos activos, porque as tarefas de leitura devem ser associadas a algo que o aluno tem de fazer, que lhe fornece um objectivo e uma motivação; neste contexto, o trabalho de projecto é essencial; e pode, inclusive, favorecer a articulação da Língua Portuguesa com outras áreas curriculares, disciplinares e não disciplinares, porque estas também requerem competências associadas à compreensão na leitura; já orientei vários projectos que me revelaram esta realidade;
- o recurso à reflexão é essencial no âmbito da abordagem didáctica da compreensão na leitura; é reflectindo sobre o texto que o aluno apreende as ideias por este veiculadas e a sua organização, identifica as suas ideias principais e aprende a reconhecer a sua estrutura característica; a leitura favorece a “alegria de pensar”, de que tão bem falou António Nóvoa.