quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Web Social e evolução da Língua Materna

Referência:
SÁ, Cristina Manuela (2011). Web Social e evolução da Língua Materna. Jornal Online da Universidade de Aveiro [publicado a 21 de Fevereiro de 2011 em http://uaonline.ua.pt/detail.asp?c=19825]

A democratização do acesso à internet, no final do séc. XX, desencadeou uma “guerra” entre as formas de comunicação a ela associadas e as instâncias responsáveis pelo estudo da língua portuguesa e pelo seu ensino/aprendizagem.
Por um lado, receia-se as alterações que estas formas de comunicação podem trazer à língua portuguesa, já que todas elas trazem consigo um vocabulário específico, frequentemente constituído por palavras e expressões em língua estrangeira, nomeadamente em Inglês. Logo, começaram a surgir movimentações no sentido de se encontrar tradução em Português para todo esse vocabulário, seguindo um movimento que é conhecido de outros países europeus, como, por exemplo, a França. Por outro, acusa-se essas formas de comunicação – tão populares entre a camada jovem – de serem responsáveis pelo seu mau domínio da língua portuguesa, sobretudo pelo facto de implicarem o uso de versões abreviadas das palavras que são vistas como erros ortográficos. Além disso, vê-se a internet como algo que desvia inexoravelmente os jovens da leitura de livros, que estas instâncias tendem a considerar como a única aceitável.
Sem querermos negar a possibilidade de estes perigos existirem, sentimos que é necessário desdramatizar estas questões. Senão vejamos. Não é só neste domínio que imperam jargões baseados em palavras e expressões oriundas de outras línguas. A economia e o desporto, por exemplo, são duas áreas férteis em tais fenómenos. Nesta última, até já existem, há longos anos, versões portuguesas desse vocabulário, mas o uso das versões estrangeiras é mais que frequente. Por outro lado, as abreviaturas usadas na Web Social devem manter uma relação estreita com a palavra que substituem. Por conseguinte, se os utilizadores cometem erros ortográficos no uso das abreviaturas é porque também os cometem quando escrevem noutros contextos. É ainda de referir o facto de que o uso da internet mobiliza constantemente as competências dos seus utilizadores em leitura e escrita. Além disso, também os pode encaminhar para o livro. Quantas vezes não vamos à internet procurar aquele texto e aquele livro que já não é possível encontrar em lado nenhum. Podemos lê-los num suporte electrónico, mas não deixam de ser textos e livros por esse motivo. Os Lusíadas não são menos lusíadas por os lermos na internet e não numa edição de luxo ou naquelas edições populares de uso frequente nas escolas portuguesas.
A Escola e a investigação em Educação não podem alhear-se deste debate social. Os nossos alunos usam mesmo a Web Social e muito do que lêem e escrevem passa por essas formas de comunicação. Portanto, há que reconhecer práticas linguístico-comunicativas a elas associadas, levar os alunos a utilizá-las de um modo mais adequado e, sobretudo, fazê-los compreender que elas funcionam num certo tipo de situações comunicativas e que coexistem com outras formas de comunicar que eles também precisam de dominar, para se poderem mover livremente na sociedade actual, que se pretende polivalente e flexível. Talvez partindo das suas vivências comunicativas e integrando-as no universo das práticas que a Escola promove neste domínio seja mais fácil fazê-los aceder a outras práticas, que eles deverão utilizar paralelamente.